Resumo
O presente artigo busca analisar o processo de regionalização no Sistema de Saúde brasileiro, identificando marcos e desafios desse processo a partir de diálogo crítico sobre a temática, contextualizado pela experiência vivenciada na gestão do Sistema e à luz do debate teórico estabelecido na última década. Utilizou-se da análise temática de conteúdo dos levantamentos normativo e documental sobre o processo de regionalização no SUS, cotejados por elementos de contextualização histórica e política no período. Como evidências depreende-se que o processo de regionalização vem sendo incremental à descentralização/desconcentração da gestão e das ações e serviços de saúde. Desafios importantes se apresentam, principalmente em relação à garantia do acesso e à estrutura de governança do sistema, o que contribui para a reflexão crítica e a construção de novas perspectivas por parte daqueles que protagonizam sua implementação.
Regionalização; Sistema Único de Saúde; Gestão do SUS; Articulação Interfederativa; Política de Saúde
Introdução
De acordo com o que está disposto na Constituição Federal do Brasil, as ações e os serviços de saúde são de relevância pública e devem ser disponibilizadas à população de modo regionalizado e hierarquizado, com o atendimento integral das pessoas no território brasileiro, tanto em ações preventivas quanto assistenciais. Esse sistema deve ser gerido de modo descentralizado e com direção única em cada esfera de governo, constituindo um sistema pautado pela participação da comunidade no seu processo de desenvolvimento e implementação1.
A Lei Orgânica da Saúde, editada em 1990, como parte do arcabouço normativo que sustenta o SUS e trata dos seus princípios e diretrizes, identifica como parte do processo de descentralização político-administrativa a regionalização e a hierarquização da rede de serviços de saúde, constituída em níveis de complexidade crescente e que pode ser complementada por serviços de natureza privada, mediante a necessidade de garantir a plenitude desses princípios2.
Para Santos e Andrade3, o SUS é o exemplo mais acabado de federalismo cooperativo, no qual os interesses são comuns e indissociáveis e devem ser harmonizados em nome dos interesses local, regional, estadual e nacional. No federalismo do SUS, todos devem ser titulares dos interesses que permeiam a questão da saúde pública e devem manter garantida a direção única do sistema, preservando sua autonomia. O processo de institucionalização da gestão do sistema, segundo Paim e Teixeira4, pode ser caracterizado como um movimento pendular de descentralização/centralização, regido pelo esforço de se implantar o pacto federativo incorporado à Constituição Federal de 1988.
Esse processo, desencadeado fundamentalmente a partir de 1991, com a edição das normas operacionais básicas (NOB)5-7, estabeleceu progressivamente as estratégias para a organização e o funcionamento do sistema através de um processo de descentralização político-administrativa, cuja ênfase se dava nas diferentes modalidades de habilitação dos estados e municípios, tipos de serviços e modalidades de financiamento, pavimentando o caminho para o lançamento, em 2001, da norma operacional da assistência à saúde (NOAS)8, cuja principal contribuição organizativa para o sistema foi o estabelecimento de regras para o processo de regionalização das ações e dos serviços de saúde.
A partir dos anos 2000, com a necessidade de se avançar com a consolidação do acesso da população às ações e serviços de saúde de maior complexidade, torna-se imperiosa a agenda da regionalização dos serviços. O lançamento do Pacto pela Saúde9, em 2006, com seus desdobramentos para estados e municípios, e a edição do Decreto nº 7.50810, de 28 de junho de 2011, no entanto, retomam a regionalização do ponto de vista dos acordos políticos entre os gestores na organização do sistema e proporcionam uma intensificação dessa pauta na agenda da gestão, ampliando o papel das Comissões Intergestores11, no nível regional e fortalecendo a lógica do Planejamento Integrado, consubstanciado por meio do Contrato Organizativo da Ação Pública (COAP) e tendo a Região de Saúde como espaço efetivo de sua operacionalização11,12.
O Decreto 7508/11 cumpre, dentre outras coisas, a determinação constitucional de que o SUS deve ser formado por uma rede regionalizada e hierarquizada e que suas “regiões de saúde” devem organizar-se para ofertar, no mínimo, ações de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar, e vigilância em saúde10, explicitando a complementariedade entre essas ações para garantir, minimamente, um cuidado integral em tempo oportuno.
Dentre o conjunto de aspectos relevantes de que dispõe o Decreto, pode ser destacada, do ponto de vista organizativo, a definição da atenção básica como a porta de entrada prioritária do sistema; e o estabelecimento dos novos dispositivos para o planejamento do SUS, compreendido como ascendente e integrado, pautado pelas necessidades de saúde e disponibilidade de recursos, induzindo a organização de redes de atenção11, privilegiando as principais linhas de cuidado que se somam aos esforços desenvolvidos pelos estados e municípios para garantir o acesso à saúde de modo regionalizado
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